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Brinquedoteca Itinerante e Popular

sábado, 23 de julho de 2011

DESCOBRINDO O LUGAR A BONECA DE PANO NA CULTURA LÚDICA BRASILEIRA

Primeira Parte

1. Reivindicando um estudo sobre a boneca de pano
Desde que a infância foi reconhecida como importante estágio do desenvolvimento humano (ARIÈS, 1981), a criança e os elementos que configuravam o seu universo passaram a ganhar espaço, não só no cotidiano, mas também ao estudo científico. Embora o caminho tenha sido longo, os brinquedos são hoje entendidos como importantes instrumentos de exploração da criança com o mundo. Mesmo com o reconhecimento de sua importância, ainda são poucos aqueles que consideram relevante estudar tais objetos, como aponta Gilles Brougère (2000), quando afirma os psicólogos como principais interessados em debruçar-se sobre esse objeto.
Assim, apesar de ser conhecido desde a Antiguidade e, gradualmente, passarem a ser alvo de estudos em várias áreas do conhecimento humano, como psicologia, antropologia, educação, pedagogia, design, comércio, etc., ainda são escassas as pesquisas realizadas especificamente sobre o brinquedo. A importância de estudo do objeto lúdico no Brasil foi reivindicada por Tisuko Morchida Kishimoto no texto “O Brinquedo na Educação: Considerações Históricas” (1995) onde a autora comenta a inexistência de estudos sobre a história e evolução dos brinquedos nesse país, de modo que ela adota a postura de se basear nos trabalhos franceses sobre o assunto.
A maior parte dos estudos posteriores aos citados por Kishimoto vêem os brinquedos em posição secundária enquanto objetos de estudos, servindo como coadjuvantes de outras situações, onde atuam, geralmente, como explicações de metáforas das variadas questões sociais. Quando existem, as pesquisas sobre os objetos lúdicos têm se concentrado principalmente nas representações sociais dos mesmos, nesse caso, a boneca ganha terreno por revelar o papel social da mulher. A representação da realidade é um dos aspectos abordados por Manson (2002) para explicar a atuação da boneca desde a sua aparição em textos da Antiguidade até os dias atuais. As bonecas aparecem como representação de meninas, enquanto nos textos da Antiguidade estudado por ele, também é forte a presença de bonecos representando guerreiros e divindades o que demonstrava influenciar os artesãos em sua produção.
O estudo da boneca de pano como elemento da cultura lúdica brasileira justifica sua relevância psicossocial em Kishimoto (1994) quando ela afirma o fato de a boneca ser um objeto social que permite flagrar múltiplas relações, tanto no âmbito concreto, quanto no imaginário. Por sua configuração antropomórfica, é um dos objetos lúdicos mais apreciados pelas crianças contribuindo para a aproximação do universo infantil e estabelecendo redes de conexão com a história da humanidade, com seus rituais, folclores, religião e com os saberes próprios da comunidade que a apropria. Acrescentamos as considerações do folclorista Câmara Cascudo (1988) acerca da boneca de pano, pois, como defende o autor, ela reflete a cultura brasileira, servindo como verdadeiro documento da expressão popular, oferecendo indicadores da condição sócio-econômica, uma vez que a define como própria do universo lúdico das crianças pobres, refletindo a indústria doméstica e tradicional do país, além de estarem presentes em todo o território nacional.
Dessa forma, Kishimoto (1994) justifica a relevância de atentar para o estudo da boneca visto que ela pode servir às explicações de vida cotidiana, às transformações e conflitos vivenciados pelo humano. Apesar de a mesma autora relacionar a importância da boneca e mesclar com sua história e sua evolução, ainda vemos poucos dados que informa sobre a boneca de pano como objeto mensageiro de uma memória coletiva da cultura brasileira.
Assim, de origem africana (KISHIMOTO, 1995), são encontradas em todo o território brasileiro, além de serem confeccionadas com materiais diversificados, nas traduções de bruxinhas de pano, bonecas de trapos e, mais recentemente na nossa história, com a boneca Emília, um dos principais personagens do escritor Monteiro Lobato (1972).
Acrescenta-se a esse estudo a contribuição da Teoria Ator-Rede – TAR –, também chamada de Sociologia da Tradução, que nos serve nesse momento como suporte teórico metodológico e instrumento apropriado na tarefa de seguir o nosso objeto de estudo. Esse referencial permite acompanhar os efeitos produzidos pela boneca de pano seguindo as histórias e as conexões por ela estabelecidas.
Alguns pressupostos da TAR são especialmente válidos neste trabalho. Os conceitos
de tradução e sociotécnicas servem como principais norteadores na tarefa de seguir as bonecas de pano. No momento fica uma rápida definição dos dois conceitos: o conceito de tradução se refere aos deslocamentos produzidos pelo objeto, permitindo a sobrevivência e ou sua extinção, pois reflete as mudanças geográficas, funcionais e materiais sofridos por um objeto.
Já o segundo termo, as sociotécnicas, refere-se às trocas entre práticas sociais e técnicas que permitem a emergência de estratégias, aumentando as possibilidades de agir do humano.
Segundo a TAR a junção de materialidade e socialidade formam os híbridos sociotécnicos. Spink (2003) citando Law e Mol (1995) acrescenta que a materialidade é socialidade, não existindo a possibilidade de considerarmos que um é anterior ao outro ou que ocorram cada um em seu tempo e em seu lugar. A materialidade permite a socialidade e vice versa.
Nessa troca de propriedades, alguns objetos podem ser usados pelo humano como foco de narrativas, como o faz Spink (2003) quando assume a posição de inserir o campo das bonecas contadoras de histórias, do Novo México, na discussão da Psicologia Social. Dessa forma, um objeto pode estar inscrito na cultura de uma sociedade, sendo traduzido com os materiais disponíveis e com as técnicas culturais daquela comunidade. Mais do que um coadjuvante em sua história aquele objeto serve como importante documento histórico. O uso da TAR se justifica no presente estudo, pois, ele insere em seu campo de possibilidade estudar em posição de simetria elementos humano ou não. Não é interessante na atual Psicologia Social desmerecer o papel que a categoria de não humanos tem exercido nas relações sociais.
A influência e relevância dos objetos nos remetem a João Amado (2007) que relata a história das bonecas de pano e sua importância em um determinado período da história de Portugal, onde elas ganham a denominação de “marafonas”. São bonecas sem feição, ou seja, não possuem rosto, boca ou olhos. Essa versão atuou com significativa importância em determinado período como elos entre a dominação/libertação de um povo. Em todo primeiro Domingo de Maio é comemorado o acontecimento entre portugueses e sarracenos e as bonecas são abençoadas e utilizadas como amuleto contra “mau-olhados”.
Quanto às marafonas, reza a lenda que quando os mouros cercaram o castelo deMonsanto a população, refugiada no seu interior, utilizou estas bonecas (sem rosto e escondendo por debaixo das saias uma estrutura de pau em cruz de Cristo) para fingidamente dar a entender aos sitiantes que, apesar do cerco, se mantinham em boa forma de corpo e de espírito; para tanto, no interior das muralhas, empunhavam e agitavam as bonecas ao alto, dando a impressão de que cantavam e dançavam e se mantinham pouco perturbados com o bloqueio; desse modo os sarracenos resolveram levantar, convencidos de que nada faria desistir os sitiados e levar a sua rendição (AMADO, 2007, p. 64-65).
Assim, em quase todas as civilizações, a boneca figura como personagem importante para contar a história daquele povo, pois representa a imagem do humano no imaginário daquela cultura. É interessante analisar o quanto os materiais utilizados em sua configuração informam sobre a cultura do lugar e sobre as comunidades onde atua. Percebe-se a função desses artefatos como agentes sociais, informando sobre as especificidades locais, fazendo com que os mesmos se tornem objetos de mensagem coletiva.

Roselne Santarosa de Sousa (Mestranda/UFSJ)
roselnesantarosa@gmail.com
Maria de Fátima A. de Queiroz e Melo
(Orientadora/BRINQUEDOTECA//LAPIP/ DPSIC/UFSJ)
queirozmaldos@uaivip.com.br

parte extraída do texto DESCOBRINDO O LUGAR A BONECA DE PANO NA CULTURA LÚDICA BRASILEIRA no sitio: http://abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/247.%20descobrindo%20o%20lugar%20a%20boneca%20de%20pano%20na%20cultura%20l%DAdica%20brasileira.pdf

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